domingo, 1 de março de 2009

MOCA - Entre a Terra e o Fogo

Na arte de MOCA não há permanência estilística, nem temática. Existe, porém, algo de constante em todo o trabalho, que anda na contramão da desmemória e da aculturação. Sua identidade nasce das raízes culturais indígenas e se alimenta na alma barroca de nossos maiores artistas. MOCA fundamenta seu trabalho em amplo e profundo conhecimento técnico, esculpe e modela com simplicidade e paciência, impregnando de sensibilidade a matéria. É perfeccionista, fiel à terra, da qual extrai o barro para montar suas estruturas/esculturas e o engobe-cor para cobri-las.
A argila para ela é começo, meio e fim.
Seus objetos e seres cerâmicos têm vida própria. Um mesmo motivo pode nos remeter a diferentes universos, basta um ajuste de escala na percepção. Volume e forma possuem função prática e plástica, sem decorativismos.

Servem de desafio/drible/diálogo com a força/fúria do fogo,
para manter a precisão de suas linhas e a planeza de suas superfícies, pois neles oculta estratégias construtivas - sua engenharia cerâmica. São descobertas, invenções, que ela usa como que em busca de um poder também oculto, mágico, que, para além de tudo, possa resultar em fala cerâmica, em poesia.

Subjacente à matéria e aos processos cerâmicos, prevalece a idéia de construir.

Sua experiência, além de fecunda, é instrutiva: aponta para modos diferentes de encontro da cerâmica com a pintura. No plano concreto da matéria, a argila será a protagonista do acontecimento plástico, jamais ocupará papel secundário: contudo, no plano abstrato de suas motivações/obsessões, a pintura poderá reinar absoluta, submetendo a artista à dedicação compulsiva por anos a fio.
A ligação com a vida é um traço desta arte milenar.
Afinal, nenhuma linguagem plástica está mais próxima da natureza e do mito da criação do que a cerâmica.
Rosana C. e S. de Oliveira


























POR QUE FAZER CERÂMICA?

Contemplo, cheia de dúvidas, meu mais recente trabalho. Toda a emoção da criação da forma é diluída pela incerteza do destino a que ele será submetido.
Confrontar a concepção, a construção e o resultado culmina, freqüentemente, na perturbadora certeza de que algo deve ser acertado, refeito, “vencido”. Exigência interior? Instantes de angústia, confusão e desânimo. Cerâmica não é um fazer fácil. Nem doce, nem dócil. Como encontrar gozo em processo de tanto desgaste interior?
As inquietações são impenetráveis de tão íntimas. Desfalece a vontade. Pesa o coração. Latejam as têmporas. Acreditar para não desalentar.
Evoluir é difícil. Penso na afirmação de Picasso “Não busco, encontro”. O processo de trabalho é escravidão da vontade, submissa a temas repetitivos, recorrentes, alheios à razão. O processo artesanal contraria o ritmo da imaginação e atropela o meu fazer. As horas passam rápidas, os dias são curtos e a fantasia infinita. Impulso não dominado, mais forte que eu.
A escultura me atrai de forma aguda. A imagem-volume, cheia de sombras, ventos, projeção de formas que mudam ao menor gesto. Mágica é a luz, mágica é a sombra que surge misteriosa e reveladora a um só tempo. São tantas as possibilidades da argila! - contornos mutáveis, adições, supressões, diferentes estágios sob a ação da água, do vento e do fogo.
O mínimo descuido pode causar ruptura ou explosão.
Em cerâmica, tudo requer cuidado e atenção para chegar a bom termo. Relacionar formas com volumes e cores, disciplinar a mente e segurar o traço. Repetir etapas, reescrever anotações. Testar os engobes, testar infinitamente, em busca de novas nuances. Conhecer
o ponto de umidade ideal e a resistência das emendas. Evitar a retenção de ar e controlar tensões opostas nas junturas que ameaçam tudo desmoronar. Evitar rachaduras e deformações, manter o equilíbrio e o apoio. Tudo como prelúdio para o próximo enfrentamento - o fogo.
A ação do fogo, misteriosa e oculta no forno, distante da mão, que controla sem tocar.
O estranho momento em que tudo vibra e estala, mundo real e imaginário, passado e presente, lógico e irrracional, sagrado e mitológico, sonho poético e dúvida constante.
Nada é tão comovedor, tenso e expectante como a abertura de uma fornada.
O aprendizado da matéria se faz por acumulação de perdas. Aprender com as perdas.
Tirar ensinamentos, renovar esperanças.
Nesses momentos segredos se revelam,mas surgem novos questionamentos. Estarei enganada? Terei sonhado tanto, a vida toda, a ponto de confundir tudo? Medito silenciosamente, observo cuidadosa e objetivamente para tentar de novo, tentar o novo. O círculo nunca se fecha.
Busco na poesia do gesto alimentar espíritos.
E onde fica o tempo a ser vivido de outras formas?
Fazer cerâmica, para quê?

MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVEIRA - MOCA
AGOSTO DE 1996