domingo, 1 de março de 2009

POR QUE FAZER CERÂMICA?

Contemplo, cheia de dúvidas, meu mais recente trabalho. Toda a emoção da criação da forma é diluída pela incerteza do destino a que ele será submetido.
Confrontar a concepção, a construção e o resultado culmina, freqüentemente, na perturbadora certeza de que algo deve ser acertado, refeito, “vencido”. Exigência interior? Instantes de angústia, confusão e desânimo. Cerâmica não é um fazer fácil. Nem doce, nem dócil. Como encontrar gozo em processo de tanto desgaste interior?
As inquietações são impenetráveis de tão íntimas. Desfalece a vontade. Pesa o coração. Latejam as têmporas. Acreditar para não desalentar.
Evoluir é difícil. Penso na afirmação de Picasso “Não busco, encontro”. O processo de trabalho é escravidão da vontade, submissa a temas repetitivos, recorrentes, alheios à razão. O processo artesanal contraria o ritmo da imaginação e atropela o meu fazer. As horas passam rápidas, os dias são curtos e a fantasia infinita. Impulso não dominado, mais forte que eu.
A escultura me atrai de forma aguda. A imagem-volume, cheia de sombras, ventos, projeção de formas que mudam ao menor gesto. Mágica é a luz, mágica é a sombra que surge misteriosa e reveladora a um só tempo. São tantas as possibilidades da argila! - contornos mutáveis, adições, supressões, diferentes estágios sob a ação da água, do vento e do fogo.
O mínimo descuido pode causar ruptura ou explosão.
Em cerâmica, tudo requer cuidado e atenção para chegar a bom termo. Relacionar formas com volumes e cores, disciplinar a mente e segurar o traço. Repetir etapas, reescrever anotações. Testar os engobes, testar infinitamente, em busca de novas nuances. Conhecer
o ponto de umidade ideal e a resistência das emendas. Evitar a retenção de ar e controlar tensões opostas nas junturas que ameaçam tudo desmoronar. Evitar rachaduras e deformações, manter o equilíbrio e o apoio. Tudo como prelúdio para o próximo enfrentamento - o fogo.
A ação do fogo, misteriosa e oculta no forno, distante da mão, que controla sem tocar.
O estranho momento em que tudo vibra e estala, mundo real e imaginário, passado e presente, lógico e irrracional, sagrado e mitológico, sonho poético e dúvida constante.
Nada é tão comovedor, tenso e expectante como a abertura de uma fornada.
O aprendizado da matéria se faz por acumulação de perdas. Aprender com as perdas.
Tirar ensinamentos, renovar esperanças.
Nesses momentos segredos se revelam,mas surgem novos questionamentos. Estarei enganada? Terei sonhado tanto, a vida toda, a ponto de confundir tudo? Medito silenciosamente, observo cuidadosa e objetivamente para tentar de novo, tentar o novo. O círculo nunca se fecha.
Busco na poesia do gesto alimentar espíritos.
E onde fica o tempo a ser vivido de outras formas?
Fazer cerâmica, para quê?

MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVEIRA - MOCA
AGOSTO DE 1996

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